Eléctrico 47
«O sistema de transportes públicos no centro da cidade de Budapeste é de louvar. O eléctrico é o que mais utilizámos, mas o metro e os autocarros também pautaram pela eficiência. O fascínio da novidade, o desconhecido, a fisionomia diferente das pessoas, ganhei o hábito de andar acompanhado pela máquina fotográfica. Esta senhora adorável, como quase todas as pessoas mais idosas com quem tive o prazer de me cruzar, captou-me desde logo a atenção numa das inúmeras viagens anónimas a bordo do eléctrico número 47. Esta fotografia em particular acabaria por se tornar simbólica por ser uma das primeiras e por dar início a toda esta ideia em redor de uma narrativa visual sobre a Hungria.» From the portuguese version of the book:
Nuno 'Azelpds' Almeida - Hungary: A poetic vision |
Poesia à beira do Danúbio
«As manhãs, notavelmente escuras, são propulsoras de saudades. Gostamos do vento, dos corvos histéricos, das primeiras folhas amarelecidas e dos vestidos com tons quentes a arrastar pelo chão combinados com os sapatos que comprámos das novas colecções. Os calceteiros sentem-se felizes e as nossas pernas hirtas, firmes, validam existências invisíveis. A cidade é agora oficialmente nossa.» From the portuguese version of the book:
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O cão e a senhora
«Um olhar diz tudo. Prendo-me nas botinhas, fixo-me na senhora à procura da chave para entrar na porta de um prédio velho situado entre duas sinagogas. Ao lado dela, um cão adorável perscruta a rua. Melancólico, esconde em si a palpitação dos momentos de partilha próprios das amizades mais profundas. É ele que comanda todo o encanto desta vida de preocupações simples e de sonhos sem fim.» From the portuguese version of the book:
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O sol no meu corpo
«Estação de metro de Astoria. As escadas rolantes, sempre com pressa, encaminham-nos até à direcção desejada. Ali bem perto e, ao mesmo tempo, tão longe desta confusão, encontramos um dos jardins mais conhecidos da cidade de Budapeste, Károlyi-kert. Não raras vezes, é usado para filmagens devido à sua beleza e ambiente particular. Num raro momento, uma senhora deixava-se encantar com o sol resplandecente que lhe banhava a face e o corpo.» From the portuguese version of the book:
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O brilho da revolta
«Braços magrinhos, mãos de pianista, existem versos à espera de serem escritos a olhar para o rio. O chapéu, preso entre os dedos e os sapatos, conta-me revoltas líricas no silêncio. Romances não precisam de papéis timbrados para serem reais porque eles brilham no escuro da pressa de viver. Sei-o perfeitamente na maneira como o vento me hirta a pele ou como as horas me transluzem, sou diáfano por vontade das palavras bonitas.» From the portuguese version of the book:
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A caminho de casa
«Crianças, adultos, idosos, é normal observar-se nas ruas qualquer faixa etária a usar patins, skates, trotinetes e, principalmente, a bicicleta como meio de locomoção. Este à-vontade chega a ser hipnótico e nunca nos cansamos de o ver por ser tão diferente do que estamos habituados em Portugal. O registo deste senhor anónimo, a par da senhora adorável do eléctrico 47, foi uma das epifanias simbólicas que nos trouxe até aqui.» From the portuguese version of the book:
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O senhor de bengala
«Máquina ao peito, música nos ouvidos. Andar pelas ruas sem destino à procura de momentos e poesia. O mundo como que implode à medida que encontro realidades invisíveis. Os olhos, muito abertos, misturam alienação e concentração. A premissa de um agora mistura-se com a ideia de um futuro que nos traz um gosto de passado no resultado final. Budapeste é propícia a estes devaneios, os mistérios à espreita em cada um dos distritos que dividem a cidade. Arquitecturas novas que se descobrem todos os dias, pessoas anónimas, expressões únicas, disposição particular de elementos que chamam a atenção, a luz que tolda o ambiente. O senhor desta fotografia, ajudado pela sua bengala, despertou-me o olhar quando admirava a imponência Barroca da Igreja da Universidade situada na rua Papnövelde. Cansado, fazia uma pequena pausa na sua caminhada de minuto a minuto mas o tempo pertencia-lhe.» From the portuguese version of the book:
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O sorriso
«O acaso ditou que me visse no meio de várias manifestações de rua durante estes dois anos, entre elas a que deu origem a esta fotografia. Não conhecer muito bem a realidade do país e não entender a língua fazia com que fosse quase impossível perceber quando estavam planeados estes eventos. Depois de me informar posteriormente sobre os motivos do protesto, percebi que estavam em causa alterações à Constituição e leis polémicas relacionadas com o ensino superior na Hungria. E no meio das palavras de ordem que se escutavam na rua, estava este senhor com um sorriso contagiante, de resistência, de que tudo acabará por ficar bem um dia.» From the portuguese version of the book:
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Olhar em frente para o passado
«Ao percorrermos as ruas de Budapeste sentimos que o legado do passado, a história do país, está firmemente ligado ao presente. Observar a arquitectura, as estátuas, os nomes, diz-nos muito de como chegámos até aqui. E se parece existir uma clara nostalgia por uma época em que a Hungria já foi grande, tanto no território como noutros factores, as pessoas não ficaram presas nessa imagem. A vontade de persistir e seguir em frente faz com que enfrentem o agora e almejem um futuro melhor, mas sem nunca esquecer o passado.» From the portuguese version of the book:
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A dádiva
«O Inverno é das melhores alturas para sentir a cidade. Disse-o inúmeras vezes. Os chapéus, as roupas, as senhoras idosas com os seus casacos charmosos a fazer-nos lembrar tempos idos. Mas também porque é uma estação onde predomina a boa disposição nos Húngaros, seja no convívio social nas pistas de gelo, nos bonecos de neve que surgem de forma inesperada em locais aleatórios, ou em brincadeiras como a que se pode observar nesta fotografia e que podem transformar de forma radical a vida de quem passa por elas.» From the portuguese version of the book:
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Divisões sociais
«Budapeste consegue ser uma das cidades mais peculiares do mundo. Sentir isso pode ser impossível se a estadia for curta ou se não conhecermos outros destinos, mas quando fazemos parte do seu respirar é quase inegável que tal sensação tome conta de nós. Não é apenas devido às vistas imponentes e edifícios maravilhosos, ou ao cheiro a vinho quente quando a neve e o frio nos gelam os ossos: a sensação reside no todo, até nas rupturas sociais que fazem parte de qualquer grande capital da Europa.» From the portuguese version of the book:
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A cruz
«A Coroa de Santo Estêvão é um dos maiores símbolos da Hungria, assim como a cruz torta que se encontra no seu topo. A ponte Margarida, uma das mais bonitas de Budapeste, foi o acesso escolhido para visitarmos a ilha com o mesmo nome. Esta fotografia foi captada nesse dia anónimo, no início do percurso da ilha, ladeado com réplicas dessa célebre coroa.» From the portuguese version of the book:
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Anomalia temporal
«Uma mulher saída do início do século XX, vestida a rigor, a falar ao telemóvel e acompanhada por um Galgo em pleno século XXI. Esta anomalia temporal, vislumbrada no Parque da Cidade (Városliget), em Budapeste, continua a ser um mistério. É provável que estivesse numa pausa da rodagem de algum filme, série de televisão ou documentário, mas naquele momento ela fundiu-se com o cenário de fantasia, com os castelos de brincar e museus permeados de estátuas cinzentas.» From the portuguese version of the book:
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Dia Internacional da Mulher
«Hoje, dia 8 de Março, celebra-se o Dia Internacional da Mulher. Muitas vezes esquecida, demasiado até, a etapa da terceira idade marca os rostos de uma forma apaixonante, com uma vida que flui por todos os poros e que nos enternece com um olhar crivado de experiência. A minha estadia na cidade de Budapeste despertou ainda mais esta vontade e instinto de captar estes momentos perdidos no tempo, estas pessoas tornadas invisíveis de forma leviana em inúmeras sociedades. Nesta Europa Central ainda se sente um respeito por estas pessoas que às 7h da manhã já esperam pelos transportes públicos como outras quaisquer, que caminham muitas vezes com as costas tão curvadas que mal conseguem ver o sol acima delas. Sorrio ao ver como num eléctrico se dá prontamente o lugar para elas se sentarem ou se pede desculpa por um contacto inesperado derivado de uma travagem mais brusca. Não se fecham os olhos, não fingimos que não existem, não as tratamos como dispensáveis. Curiosamente, esta senhora tão querida foi captada no meio de uma das manifestações recentes de que já dei conta por aqui. Gosto de ver esta vida activa em idade tão avançada.» From the portuguese version of the book:
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Eléctrico 41
«Os olhos como que nos perscrutam a alma, em desafio, gela-se-nos o corpo. Outro raro momento em Budapeste quando nos dirigíamos para outra ponta da cidade com o intuito de vermos uma exposição. Esta fotografia capta mais um acaso especial, um pequeno mistério que se deixou revelar por meros instantes.» From the portuguese version of the book:
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Horizonte
«Budapeste parece ter uma estranha relação com o tempo, olhamos para o relógio e não percebemos onde foram parar as horas. A luz do dia desaparece rapidamente nas noites, que por sua vez se perdem nas madrugadas de trabalho e do aconchego dos lençóis. Às seis da manhã, ou ainda mais cedo, a vida já corre com intensidade nas veias do coração da cidade. O ritmo é alucinante, avenidas largas cheias de carros, transportes públicos, bicicletas, as pessoas que enchem as estações de metro e que caminham a passo rápido para inúmeros destinos. O fluxo deste respirar é alto, muito alto, depressa percebemos que apesar de não estarmos habituados ele nos fazia falta, dá-nos uma outra mobilidade e sentimos que estamos mais activos, vivos, como se aos poucos estas artérias fossem um prolongamento de nós que estava adormecido por um torpor estranho e nocivo.» From the portuguese version of the book:
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Inocência permanente
«Ausência de preocupações, brincar, pular, morder o vento, só queremos ganhar um sorriso. A distância dos céus pernoita no descanso como se a cidade não fosse nossa e ali, naquele banco encarnado rodeado de folhas mortas, permitimos que o Outono nos considerasse eternos.» From the portuguese version of the book:
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Mercado de rua
«Os mercados de rua são uma tradição na Hungria e atraem um grande número de pessoas. Além das bancas com belos objetos de artesanato, podemos beber vinho quente, uma Soproni gelada (cerveja húngara) ou comer o tradicional goulash, entre outras atividades sociais.» From the portuguese version of the book:
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O cão e a senhora II
«Este foi um daqueles momentos surreais, originais e engraçados que podem acontecer quando atravessamos uma rua húngara anónima. Nele, um cão adorável com roupa e corte de cabelo interessante olha fixamente para mim. Passados alguns segundos percebemos que a senhora tem um corte de cabelo semelhante que ondula da mesma maneira consoante as vontades do vento.» From the portuguese version of the book:
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O poeta Miklós Radnóti
«Semblante absorto, pensativo, mãos nos bolsos. A estátua do poeta Miklós Radnóti, encostada a uma superfície de madeira e ao lado do Teatro com o seu nome na rua Nagymező, é uma réplica do memorial situado à beira da estrada onde morreu. Miklós Radnóti faleceu a 10 de Novembro, em 1944, com apenas 35 anos de idade, durante uma marcha forçada que começou nas minas de cobre de Bor, na Sérvia, assassinado por já não ter forças para continuar e enterrado numa vala comum na vila de Abda, na Hungria. 18 meses após a sua morte, o corpo foi exumado e descobriram no bolso da frente do seu sobretudo um pequeno bloco de notas com poemas e com instruções em várias línguas para onde e para quem entregar o bloco de notas. Versos de amor para a esposa que nunca mais iria ver, versos para o amigo assassinado a tiro na mesma caminhada para a morte, versos das barbáries cometidas, versos para nós, nesse pequeno bloco de notas. Em Budapeste, a memória do Holocausto está presente em várias homenagens originais e tocantes. O Memorial dos Sapatos às Margens do Danúbio é uma delas. A estátua de Miklós Radnóti é outra. Como é que mesmo assim teimamos em querer repetir os erros do passado é um mistério que nos ultrapassa.» From the portuguese version of the book:
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Pausa no tempo
«A área em redor do Parlamento em Budapeste é majestosa. Edifícios magníficos, estátuas, História em todo o lado. O eléctrico nº2 tem uma paragem neste local e corre o dia todo. É uma das características que adoro, o eléctrico e como a cidade pode parecer tão nova e antiga ao mesmo tempo. Muitos húngaros e turistas gostam de passear aqui, à beira do rio e do Parlamento. Um banco nas proximidades, as flores, as vistas, o fluxo do tempo tem permissão para uma pausa.» From the portuguese version of the book:
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Silêncio
«Há rostos que nos dizem tudo sem a necessidade de proferirem uma única palavra. Há também momentos em que nos caracterizam, em que fechamos os olhos e sentimos que esta pessoa, que esta sua expressão, é a representação cabal de um estado de alma muito nosso em determinadas alturas do dia ou perante certas situações.» From the portuguese version of the book:
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O canto e o Gelo
«Não seria a primeira vez que referia que o Inverno é das melhores alturas para percorrer as ruas de Budapeste. O estilo de roupas, os casais idosos charmosos, os chapéus dos mais jovens que tanto demonstram elegância como um espírito divertido sem receio de parecerem ridículos consoante os acessórios, os animais vestidos a rigor. É nestes momentos que começamos também a perceber que por detrás da camada muito séria da maioria do povo Húngaro se esconde um outro lado mais social e bem disposto. Neste sentido, dar um pequeno passeio até ao Parque da Cidade (Városliget), localizado ao lado da Praça dos Heróis (Hősök tere), é perfeito para se perceber o que quero dizer. Uma das atracções nesta altura do ano é a Pista de Gelo (Városligeti Műjégpálya) que se enche, literalmente, de pessoas. Ainda não chegámos ao local e já se ouve ao longe uma voz feminina gritar cânticos de incentivo que a dada altura nos faz remeter para a animação japonesa devido ao divertido que nos soa e à entoação que nos provoca os primeiros sorrisos. Quando finalmente chegamos à ponte onde podemos observar de perto o que se passa, a nossa face é a de crianças a ver pela primeira vez algo que as faz felizes sem saberem o porquê. Pessoas com asinhas e antenas, outras vestidas de vaquinhas, inúmeras vestidas normalmente, crianças, graúdos, todas as idades, rodas e grupos, brincadeiras, uma festa a patinar no gelo. Fica-se estupefacto e rapidamente temos vontade de nos juntar ao momento. Ao lado de nós mais pessoas observam o que se passa e, tal como acontece no Café dos Gatos, ninguém fica indiferente ou sem esboçar sorrisos atrás de sorrisos. Depressa se percebe que este é outro fenómeno cultural, tal como o dos homens terem o hábito cavalheiresco de ajudar as senhoras a vestir o casaco, sejam eles jovens ou mais velhos, o que se pode admirar ainda mais no Inverno.» From the portuguese version of the book:
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